Cibele M. M. Di Battista Brandão*
O objetivo na análise, atualmente vai muito além da resolução de conflitos ou da diminuição da sintomatologia. Isso é importante, mas em primeiro lugar o que é trabalhado, é desenvolver o sentir-se vivo, diminuir a desvitalização que ronda os dias dos pacientes. A tentativa é desenvolver essa capacidade de sentir-se vivo que é uma experiência superior e prioritária e deve ser considerada como um aspecto da experiência analítica em si mesma.
Atualmente sobre qualquer coisa que iremos falar temos que citar a total mudança que em tudo se fez em função da pandemia. No campo da Psicanálise não é diferente. Praticamente de um dia para o outro, tivemos que mudar nossa prática para continuarmos respondendo às demandas que sempre tivemos e que agora com o advento de toda a ameaça desencadeada pelo perigo de contágio da Covid-19 quantas coisas passaram a se somar as já muitas tarefas existentes! Isso sem contar a grande demanda que agora existe em função do aparecimento de muitas situações que solicitam a presença de um analista. Tanto de pessoas que estavam assustadas, inseguras e ameaçadas, como de pessoas que passaram a adoecer, apresentar sinais psicopatológicos e a urgência de serem atendidas se fez necessária. Tornou-se lugar comum os colegas dizerem: – Mesmo com o isolamento, nunca trabalhei tanto em minha vida. Somado a isso, a necessidade de rapidamente aprender dominar as áreas de informática, para dar aulas, fazer reuniões, dar palestras e naturalmente também atendermos nossos pacientes primordialmente on-line. Passamos viver uma outra realidade. Melhor? Pior? Não sabemos. É diferente. É necessária.
Como trabalha o psicanalista na contemporaneidade? Percebo que para falar sobre essa questão que é muito ampla devo escolher um aspecto. Por quê? A atividade e inserção da Psicanálise hoje é muito ampla – Na Educação, na Saúde, na Vida Comunitária. Escolho falar de um consultório de Psicanálise onde são atendidas pessoas que vêm movidas por uma angústia e sofrimento emocional intenso.
Uma pessoa consulta um psicanalista porque está sofrendo. Emocionalmente, sem saber ela tornou-se incapaz de sonhar. À medida que é incapaz de sonhar sua experiência emocional ela é incapaz de mudar, ou de crescer ou torna-se diferente de quem ela tem sido.
A pergunta que pode ser feita em qualquer idade –
– O que você quer ser quando crescer? Traz a ideia de sonho, de projeto de vida. E ela pode ser feita para pessoas a qualquer momento. Pode ser um aspecto dentro da análise em que o analista tenta colocar essa pessoa em contato com seus sonhos novamente.
A pergunta é talvez a mais importante que qualquer um de nós pode fazer ao longo da vida, isto é, desde muito cedo, até o momento antes de morrer. Quem gostaríamos de nos tornar?
O analista pode trabalhar com seu paciente fazendo com que ele volte a sentir entusiasmo para se tornar a pessoa que ele havia sonhado ser.
Que tipo de pessoa gostaríamos de ser? De que maneiras não somos quem somos?
O que nos impede de sermos mais como a pessoa que gostaríamos de ser? O que poderíamos fazer para nos tornarmos mais como as pessoas que sentimos ter potencial e a responsabilidade de ser? São essas as perguntas que trazem a maioria dos pacientes às terapias e as análises embora raramente se deem conta disso, estando mais preocupados em encontrar algum alívio para os seus sintomas. Ás vezes o objetivo do tratamento é conduzir o paciente de um estado em que não é capaz de formular essas perguntas para outro no qual seja capaz de fazê-lo. Muitas vezes no início da análise a pessoa venha mesmo mais com sua desilusão diante da vida. E aí ela pode se perguntar o que quero para mim?
Na psicanálise ontológica – onde se busca o ser, o vir a ser, vemos a dupla analítica – Analista e analisando descobrindo sentidos de maneira criativa num processo que nos torne mais vivos. A dupla que é formada entre analista e analisando ajuda a pessoa se reconectar com seus desejos de realização e transformação diante da vida. O que quero ser quando crescer? (Ogden, 2020).
O acontecimento passado, ocorrido, mas não vivenciado, continua a atormentar o paciente até ser vivido no presente (com a mãe/analista). E, no entanto, parece-me que uma das principais, se não a principal motivação para um indivíduo que não tenha vivenciado partes importantes do que aconteceu no início de sua vida, é poder resgatar partes importantes perdidas de si mesmo, para finalmente se completar englobando, tanto quanto for capaz grande parte de sua vida não vivida. Toda pessoa tem necessidade de recuperar o que perdeu de si mesma. Ela quer tornar-se a pessoa que ela é em potencial. Todos nós em diferentes proporções tivemos acontecimentos no início das nossas vidas que envolveram rupturas significativas do vínculo mãe-bebê, aos quais respondemos com organizações defensivas psicóticas. Cada um de nós tem a dolorosa consciência de que apesar de podermos parecer psicologicamente saudáveis para os outros (e as vezes para nós mesmos) há formas essenciais em que não somos capazes de estar vivos para nossa experiência, seja a experiência da alegria, ou a capacidade de amar, a capacidade de perdoar alguém (inclusive nós mesmos) ou simplesmente para se sentir vivo para o mundo ao nosso redor e dentro de nós mesmos – Todos temos nossas próprias áreas especificas de experiência que fomos incapazes de viver e vivemos em busca dessas experiências perdidas que fomos incapazes de viver.
Roosevelt Cassorla diz em uma publicação do último Jornal de Psicanálise:
Ser psicanalista é fascinante. Temos o privilégio de sermos desafiados todo o tempo, a dar sentido a tantas vidas (e também à nossa). E isso nunca termina. (Para quem escolhe esse caminho) que você possa usufruir de tudo o que a formação analítica te oferece. (Cassorla, 2020, p. 133)
Referências:
Cassorla, R. (2020). Meu caro candidato… Jornal de Psicanálise, 53(99), 129-134.
Ogden, T. H. (2016). O medo do colapso e a vida não vivida. Livro Anual de Psicanálise, 30(1), 77-93.
Ogden, T. H. (2020). Psicanálise ontológica ou “O que você quer ser quando crescer?”. Revista Brasileira de Psicanálise, 54(1), 23-46.