Nota de Repúdio

Aos membros do NPMR e à comunidade em geral,

Encaminhamos a todos Nota da FEBRAPSI, que recebemos da Soc. Bras. de Psicanálise de SP (SBPSP), de Repúdio e Pesar aos terríveis acontecimentos, ocorridos na semana passada no Rio de Janeiro, e que consternam e entristecem todos nós.

Cibele de Baptista Brandão.
Presidente do NPMR

————————————————————————————————————————————————————–

 

Oficialmente, em 22 de abril de 1500 o Brasil foi descoberto. Nas leituras mais modernas se diz que fora invadido, pois como é sabido, havia por aqui uma população com organização social e cultural muito bem estabelecidas; foram capturados, mortos ou escravizados. Uma vez que a exploração progredia no território e os indígenas restantes eram poucos para a mão de obra, toma-se a decisão de expansão através do tráfico negreiro. O continente africano, já desenvolvido em suas tecnologias e organização política, mas frágil em sua defesa, começa a ser terreno fácil e “reservatório humano apropriado, com um mínimo de gastos e de riscos. Assim, o tráfico moderno dos escravizados negros tornou-se uma necessidade econômica […]. Em novas relações técnicas estendem ao plano social o binômio senhor-escravo” (Kabengele Munanga, 2020).

Preâmbulo um tanto longo para a manifestação de repúdio contra o bárbaro assassinato do congolês Moïse Kabagambe e, logo em seguida, de Durval Teófilo Filho. Ambos tombaram mortos, um espancado covarde e selvagemente por três homens, tendo os pés e as mãos amarrados como faziam os colonizadores com os homens africanos escravizados; o outro, assassinado por um vizinho que o confundiu com um bandido.

O que há em comum entre estes dois crimes e entre as centenas de assassinatos de jovens negros que morrem todos os dias? O Racismo Estrutural − herança maldita do Brasil colonial.   

A Federação Brasileira de Psicanálise se une a inúmeras instituições da sociedade civil para manifestar sua profunda indignação diante de acontecimentos cotidianos que dizimam famílias, destroem futuros e que deixam um rastro de vazio, luto e tristeza em uma população que assiste, aterrorizada, aos atos movidos pela compulsão a repetição e, que atualizam sistematicamente a construção de relações baseadas na hierarquização dos corpos e das vidas de nossos cidadãos. O passado se faz presente e se repete de maneira mortífera na falta de elaboração de nossas relações fundantes e sombrias. Aos familiares e amigos do jovem Moïse e de Durval, em nome da comunidade psicanalítica, nossos mais sinceros sentimentos. Entristece-nos e envergonha-nos que estes crimes perdurem através dos tempos sem justiça ou reparação. 

Rio de Janeiro, 7 de fevereiro de 2022

 

Cibele Di Battista Brandão
Psicanalista – Membro efetivo e analista didata da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP), membro do Núcleo de Psicanálise de Marília e Região (NPMR) e docente dessas instituições. Atualmente é Secretária Geral do 
Instituto Durval Marcondes da  da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo.

Mensagem da SBPSP

Aos Membros da SBPSP e Membros Filiados ao Instituto de Psicanálise.

Em sintonia com diversos movimentos atuais, tanto de políticas públicas quanto da iniciativa privada, a SBPSP vem instituindo, em 2021, o Projeto Virgínia Bicudo, contra discriminações raciais, étnicas e sociais, e a favor da acessibilidade à formação psicanalítica, no Instituto de Psicanálise Durval Marcondes, para populações negras, indígenas e outras historicamente alijadas de espaços como este. A produção deste vídeo, marcando o Dia Nacional da Consciência Negra, foi uma primeira ação deste Projeto, que está sendo cuidadosamente pensado e  desenvolvido por nossa instituição.

Confira: https://www.youtube.com/watch?v=rM4C8WgQNog

Atenciosamente,
Comissão do Projeto Virgínia Bicudo

Filme: Quadro Minutos

Adriana Maria Nagalli

Experiências emocionais se dão todo tempo e as mais dolorosas geralmente estão relacionadas à perda de alguém que amamos, pelo desmoronamento de um ideal, pela vergonha e culpa pela destruição da própria humanidade e da do outro.

O sofrimento das protagonistas, para mim não há coadjuvantes, é fruto de   verdadeiros desastres que atingem a alma, que são extremamente dolorosos e desgastam o espírito humano.

Porém, de repente, o acaso promove o encontro que gera uma oportunidade para que mesmo sem um projeto de vida para ambas, encontrem algo. O que? A verdade da própria existência?

Dores transbordam:


Jenny não quer a imitação ou a submissão e  carrega um  terror ao contato, proveniente de muitas violências que cometeram com sua integridade física e mental.

Traude se ocupa em repetir que não se interessa por Jenny e sim pela música. Isso, penso, para manter a todo custo o não envolvimento, uma maneira de evadir-se da dor. Sua jura de amor único e eterno por seu amor -Hanna- que foi assassinada pelos Nazistas (por ser comunista), imprimi nela um componente culposo que também a mantém prisioneira no espaço e no tempo.

Morte em vida.

Jenny e Traude:

O instrumento que possibilita o ato de compreensão é a experiência de similaridade, ou seja, uma experiência onde um está em sintonia com o outro.

Para isso necessariamente a diferença se faz presente, porém, algo similar permite que ocorra uma centelha de conexão. Para compreender o sentimento do outro, busco um paralelo dentro da minha própria experiência. No momento da compreensão, eu e o outro somos um, pela união obtida, pela reciprocidade da experiência e isso pode ser captado inconscientemente, são vozes silenciosas, que captamos quando estamos privados dos elementos externos que podem nos distrair.

Esses elementos externos, penso que tem relação com o que São João da Cruz escreveu em 1542, quando se encontrava preso por buscar a reforma na Ordem Carmelita. Ele foi um menino que nasceu muito pobre, crescendo misturado aos rostos magros e aos corpos frágeis de outros meninos que brincavam nas ruas da Espanha e alçou voo em si mesmo. Torturado, preso e debilitado, lembra a personagem Jenny, mas encontrou sua liberdade no vazio dos elementos externos:

“Para vir a saborear Tudo- não queiras ter gosto em Nada

Para vir a possuir Tudo- não queiras saber algo em Nada

Para vir a possuir Tudo- não queiras possuir algo em Nada

 

E quando venhas de todo a ter – há de tê-lo sem nada querer

Nesta desnudez encontra o espírito, o seu descanso,

Pois nada cobiçando, nada o impele para cima e nada o oprime para baixo

Porque está no Centro de sua humildade”

                                            São João da Cruz

A perda e o trauma podem levar a uma união solidaria através de uma ligação que se dá pela escuta das vozes pré-natais e primitivas.

Numa fagulha momentânea, tendo o piano (música) como objeto de ligação a experiência de Traude e de Jenny se deu em meio à intensidade conjuntas.

MÚSICA

Traude, sofrida e aprisionada pela dor, vendo que Jenny foi maltratada pela vida, recebe essa história calorosamente devido à sintonia, à similaridade e às experiências desumanizantes que viveu no regime hitlerista, permanecendo naquele lugar de dor e castigo.

Considero então que ambas, presas por questões diferentes, puderam criar um acesso uma à outra. Esse acesso à experiência profunda requer suportar o choque com o trauma do outro que destrava a barreira de concreto que as protegiam contra a entrada das emoções.

A experiência com o outro tem essa força em si.

 

Reparação e restauração

Como se abrir para a humanidade compartilhada e renunciar a um pertencimento superficial em favor de restaurar e reparar nossos objetos internos imersos numa profunda dor?

Pertencer é uma necessidade humana básica, principalmente pertencer a si mesmo, apaziguando os terrores internos.

Traude busca desesperadamente pelo talento de Jenny, que um dia viu em Hanna. Precisa ver o sucesso de Jenny como se ao ouvi-la adormecesse num sono- sonho profundo com Hanna, que agora tem a chance de realizar.

Melanie Klein acreditou que os seres humanos experimentam seu mundo desde a mais tenra infância porque para ela os bebês já nascem com alma.

Buscamos, a partir daí e na vida toda, palavras que correspondam às imagens que criamos tão precocemente e que correspondam também ao nosso espírito criativo interno que está em sintonia com essas emoções.

A música, para quem não pode falar ou não consegue falar e não encontra palavras é a única oportunidade possível.

Um artista fala através de sua arte.

Traude e Jenny falavam de sua dor através da música. A dor pela morte de seus amados (bebê de Jenny e Hanna), não foi reconhecida por ninguém.

Essas mortes não foram compartilhadas, elaboradas e reconhecidas como importantes. O luto é melhor elaborado na compaixão, porém, elas sofreram sozinhas esse desastre.

O luto nos coloca diretamente em contato com o pavor ao desconhecido, a realidade da incompletude, o vazio profundamente doloroso, porém, se alguém puder nos acompanhar, passamos por essa encruzilhada.

E quando nos apropriamos disso, da inevitável solidão, quando damos atenção a isso, as ligações podem deixar de ser de superfície para superfície e passam a ser de interior para interior e novas emoções são criadas.

E quem sabe podemos aprender com elas.

Para Jenny, a música é explosão, improvisação, swing e ritmos não lineares. Expressa sua raiva, fúria, revolta, transgressão, força e existência.

Um potencial criativo, ou como tenho sonhado, uma espécie de pré-concepção estética em Jenny, passa a ser banhada por algo que pode promover uma pequena realização de suas dotações. Sendo ela mesma.

Enquanto a fúria acompanha Jenny, para que ela sobreviva, Traude mantém a formalidade e distância ao pedir a reverencia para uma criança.

Ambas viveram a experiência de serem descartadas, jogadas de seu aquário janela abaixo (cena do filme), envoltas com enforcamentos e morte.

Há uma comunicação entre as partes de dentro de Jenny e de Traude, a relação interna de uma com a outra é o que rega as sementes em cada uma porque ao longo do filme percebemos em ambas que partes não desenvolvidas, sofridas, partes internas estão se comunicando.

Porém, antes disso, desconectadas de outros fatores da personalidade de ambas viviam como um relógio quebrado em pedaços na bancada do relojoeiro, mas quando cada parte é montada na relação correta com as outras, cada qual tem sua função. As partes estão integradas.

Os dados brutos das duas aguardam por uma transformação e um período de intensa turbulência se deu para que alguns elementos inertes ou mortos, se tornassem sua própria subjetividade.

Subjetivo é o Eu em Mim. O eu que foi comunicado a si mesmo.

O auge do desenvolvimento humano é alcançado quando a subjetividade do indivíduo orienta suas percepções.

Expressar a dor faz derramar, internamente, alguma luz.

Uma luz em uma criança interna que poderá ser nutrida por sua própria criatividade. Vinculando-se com amor e ódio, de um beijo pueril ao soco, demonstra o  grito de um coração que não suporta mais a dor. Ação.

 

Dor e turbulência na clínica psicanalítica:

Dr Cecil Rezze, em seu livro “Psicanálise- De Bion ao Prazer Autêntico”, nos oferece importantes reflexões. Sua generosidade ajudou-me nas conclusões a seguir. Algo mais aprofundado verão no livro.

“E o que é a psicanalise senão a oportunidade para que nasça o que nunca nasceu, que se crie o que nunca foi criado ou que surja algo do cliente que possa lhe permitir ter prazer ou satisfação na existência.”(Rezze, 2014)

Se os analisandos também vêm à procura de que suas reais qualidades e recursos sejam desenvolvidos, será que o analista desenvolveu seus recursos para conviver dentro da atividade criativa do cliente?

Bion, em Domesticando pensamentos selvagens, denomina as emoções selvagens como uma força animal a ser domada e as compara com a de um tigre. Um risco factual de se enfrentar um pensamento selvagem equivale a enfrentar um tigre. Há algo de selvagem no animal humano que pode colocar nossa vida em risco. Ele considera que há uma situação igualmente perigosa que é lidar com a alma, com o espírito e com a mente, quando as emoções são selvagens, porém destaca a importância do pensamento selvagem, possivelmente como fonte original da criatividade. Assim, o autêntico pode ser experimentado.

Caso clínico publicado

Resumo:

Após uma sessão participativa e colaborativa, o analisando inicia a sessão num clima de bem-estar e conforto.

São feitos movimentos e afetos que sugeriam uma aproximação bastante amorosa.

O analista fala desse clima amoroso e o analisando pega uma manta que o analista deixa a disposição dos analisandos. O analista nota que a manta cobre os sapatos do analisando, o que lhe causa estranheza, mas permanece em silêncio.

O clima se mante leve e o analista decide fazer um comentário sobre o analisando aceitar a manta e poder cobrir-se. Em seguida, o clima emocional muda drasticamente e o analisando diz que o cheiro daquela manta é muito ruim, que estava com cheiro de merda. A violência e o tom vão aumentando até que o analisando diz que o analista quer torná-lo uma merda.

Fica enfurecido, diz que o analista quer torná-lo uma merda, levanta e sai.

A ação tornou-se necessária.

A experiência faz o analista refletir que o analisando captou alguma idiossincrasia na qual se apoia para fazer a viragem de sentimentos. Que se o analista suportar a intensidade da convivência, essa pessoa poderá iluminar aspectos do analista a que o analisando tem acesso e ele não. E nele também.

O analista diz que certamente a vivência foi como um raio que tudo ilumina numa noite escura.

A questão é ver na violência uma experiência de intensa dor.

Adriana Maria Nagalli de Oliveira

Psicanalista, Membro Efetivo da SBPSP e do Grupo de Estudo de Campinas (GEP).

Como trabalha o Analista na Contemporaneidade?

Cibele M. M. Di Battista Brandão*

O objetivo na análise, atualmente vai muito além da resolução de conflitos ou da diminuição da sintomatologia. Isso é importante, mas em primeiro lugar o que é trabalhado, é desenvolver o sentir-se vivo, diminuir a desvitalização que ronda os dias dos pacientes. A tentativa é desenvolver essa capacidade de sentir-se vivo que é uma experiência superior e prioritária e deve ser considerada como um aspecto da experiência analítica em si mesma.

Atualmente sobre qualquer coisa que iremos falar temos que citar a total mudança que em tudo se fez em função da pandemia. No campo da Psicanálise não é diferente. Praticamente de um dia para o outro, tivemos que mudar nossa prática para continuarmos respondendo às demandas que sempre tivemos e que agora com o advento de toda a ameaça desencadeada pelo perigo de contágio da Covid-19 quantas coisas passaram a se somar as já muitas tarefas existentes! Isso sem contar a grande demanda que agora existe em função do aparecimento de muitas situações que solicitam a presença de um analista. Tanto de pessoas que estavam assustadas, inseguras e ameaçadas, como de pessoas que passaram a adoecer, apresentar sinais psicopatológicos e a urgência de serem atendidas se fez necessária. Tornou-se lugar comum os colegas dizerem: – Mesmo com o isolamento, nunca trabalhei tanto em minha vida. Somado a isso, a necessidade de rapidamente aprender dominar as áreas de informática, para dar aulas, fazer reuniões, dar palestras e naturalmente também atendermos nossos pacientes primordialmente on-line. Passamos viver uma outra realidade. Melhor? Pior? Não sabemos. É diferente. É necessária.

Como trabalha o psicanalista na contemporaneidade? Percebo que para falar sobre essa questão que é muito ampla devo escolher um aspecto. Por quê? A atividade e inserção da Psicanálise hoje é muito ampla – Na Educação, na Saúde, na Vida Comunitária. Escolho falar de um consultório de Psicanálise onde são atendidas pessoas que vêm movidas por uma angústia e sofrimento emocional intenso.

Uma pessoa consulta um psicanalista porque está sofrendo. Emocionalmente, sem saber ela tornou-se incapaz de sonhar. À medida que é incapaz de sonhar sua experiência emocional ela é incapaz de mudar, ou de crescer ou torna-se diferente de quem ela tem sido.

A pergunta que pode ser feita em qualquer idade –

– O que você quer ser quando crescer? Traz a ideia de sonho, de projeto de vida. E ela pode ser feita para pessoas a qualquer momento. Pode ser um aspecto dentro da análise em que o analista tenta colocar essa pessoa em contato com seus sonhos novamente.

A pergunta é talvez a mais importante que qualquer um de nós pode fazer ao longo da vida, isto é, desde muito cedo, até o momento antes de morrer. Quem gostaríamos de nos tornar?

O analista pode trabalhar com seu paciente fazendo com que ele volte a sentir entusiasmo para se tornar a pessoa que ele havia sonhado ser.

Que tipo de pessoa gostaríamos de ser? De que maneiras não somos quem somos?

O que nos impede de sermos mais como a pessoa que gostaríamos de ser? O que poderíamos fazer para nos tornarmos mais como as pessoas que sentimos ter potencial e a responsabilidade de ser? São essas as perguntas que trazem a maioria dos pacientes às terapias e as análises embora raramente se deem conta disso, estando mais preocupados em encontrar algum alívio para os seus sintomas. Ás vezes o objetivo do tratamento é conduzir o paciente de um estado em que não é capaz de formular essas perguntas para outro no qual seja capaz de fazê-lo. Muitas vezes no início da análise a pessoa venha mesmo mais com sua desilusão diante da vida. E aí ela pode se perguntar o que quero para mim?

Na psicanálise ontológica – onde se busca o ser, o vir a ser, vemos a dupla analítica – Analista e analisando descobrindo sentidos de maneira criativa num processo que nos torne mais vivos. A dupla que é formada entre analista e analisando ajuda a pessoa se reconectar com seus desejos de realização e transformação diante da vida. O que quero ser quando crescer? (Ogden, 2020).

O acontecimento passado, ocorrido, mas não vivenciado, continua a atormentar o paciente até ser vivido no presente (com a mãe/analista). E, no entanto, parece-me que uma das principais, se não a principal motivação para um indivíduo que não tenha vivenciado partes importantes do que aconteceu no início de sua vida, é poder resgatar partes importantes perdidas de si mesmo, para finalmente se completar englobando, tanto quanto for capaz grande parte de sua vida não vivida. Toda pessoa tem necessidade de recuperar o que perdeu de si mesma. Ela quer tornar-se a pessoa que ela é em potencial. Todos nós em diferentes proporções tivemos acontecimentos no início das nossas vidas que envolveram rupturas significativas do vínculo mãe-bebê, aos quais respondemos com organizações defensivas psicóticas. Cada um de nós tem a dolorosa  consciência  de que apesar de podermos parecer psicologicamente saudáveis para os outros (e as vezes para nós mesmos) há formas essenciais em que não somos capazes de estar vivos para nossa experiência, seja a experiência da alegria, ou a capacidade de amar, a capacidade de perdoar alguém (inclusive nós mesmos) ou simplesmente  para se sentir vivo para o mundo ao nosso redor e dentro de nós mesmos – Todos temos nossas próprias áreas especificas de experiência que fomos incapazes de viver e vivemos em busca dessas experiências perdidas que fomos incapazes de viver.

Roosevelt Cassorla diz em uma publicação do último Jornal de Psicanálise:

Ser psicanalista é fascinante. Temos o privilégio de sermos desafiados todo o tempo, a dar sentido a tantas vidas (e também à nossa). E isso nunca termina. (Para quem escolhe esse caminho) que você possa usufruir de tudo o que a formação analítica te oferece. (Cassorla, 2020, p. 133)

Referências:
Cassorla, R. (2020). Meu caro candidato… Jornal de Psicanálise, 53(99), 129-134.
Ogden, T. H. (2016). O medo do colapso e a vida não vivida.  Livro Anual de Psicanálise, 30(1), 77-93.
Ogden, T. H. (2020). Psicanálise ontológica ou “O que você quer ser quando crescer?”. Revista Brasileira de Psicanálise, 54(1), 23-46.

Cibele M. M. Di Battista Brandão

Psicanalista – Membro efetivo e analista didata da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP), membro do Núcleo de Psicanálise de Marília e Região (NPMR) e docente dessas instituições. Secretária Geral do Instituto Durval Marcondes da SBPSP nas gestões 2017-2018 e 2019 – 2020. Atualmente é Presidente do NPMR.

Dia do Psicanalista

Julia G. B. V. Boselli

Sigmund Freud, 190x210 cm, Acrylic On Canvas, 2015-01, Voka

Sigmund Freud, 190×210 cm, Acrylic On Canvas, 2015-01, Voka

Esse mês comemoramos o Dia do Psicanalista. Profissão que escolhi e escolho todos os dias.

Freud tinha como habito escrever após seus atendimentos clínicos, o que, por consequência gerou uma grande obra epistemológica.

 Hoje, inspirada por ele, vou escrever após um dia de atendimentos também. Deixo aqui uma pequena contribuição para não passar em branco essa data. Afinal, de branco e pálido não tem nada essa tal de psicanálise.

Como terapeutas sabemos o nome de quem iremos atender e até mesmo o horário do paciente. Mas, a realidade é que nunca sabemos quem entrará por aquela porta. O inconsciente não segue uma lógica cronológica e organizada.

Abrimos a porta e com nossa atenção flutuante encontramos angustias primitivas. Nos deparamos com aquela criança que o paciente utiliza de várias defesas para esconder. Esconde o desamparo vivenciado concretamente ou simbolicamente no passado e que até hoje ressoa. 

Os sintomas dessas angústias estão aqui, no presente. O desamparo é vivido e atuado pelo próprio paciente, que repete na tentativa de elaborar o conflito. O paciente então trava uma luta (processo de análise) no lugar e horário apropriado para isso, a clínica.

O termo luta não me refiro no sentido de competição ou guerra, e sim, algo trabalhoso que envolve uma relação de intimidade em que o paciente pode recorrer à mente do analista.

Sem as lentes do psicanalista veríamos um adulto deitado no divã relatando seu dia; atrás dele, outro alguém ouvindo e apenas ouvindo. A verdade é que nós terapeutas estamos ali, fazemos parte ativamente da narrativa. Vivenciamos transferência e contratransferência durante toda sessão e usamos de diversas técnicas para maneja-las aproximando cada vez mais o paciente de seu desconhecido (inconsciente). 

O terceiro analítico (termo de Thomas Ogden) que nasce dessa dupla paciente-terapeuta é intenso, colorido, dolorido e até mesmo estético. As cores são tão vivas que frequentemente o psicanalista vive as identificações projetivas do paciente.

 O paciente, mesmo racionalmente entregue ao processo analítico, em sua ambivalência, luta para não ser amparado, pois é o modo que conhece até então. Como bem nos ensina Klein não podemos pensar em nada mais humano do que nossa dificuldade em amparar nossos desejos mais hostis.

Mas afinal porque no dia 6 de maio é comemorado o Dia do Psicanalista?  

Em 6 de maio de 1856 nasce em Freiberg (atual República Tcheca) Sigmund Freud neurologista criador da psicanálise. Peter Gay, seu biógrafo, o descreve como um arqueólogo da mente.

Freud cria o método psicanalítico que consiste em evidenciar significado inconsciente das palavras, ações e produções imaginarias (sonhos, fantasias e delírios) de um sujeito. (Definição de Laplanche e Pontalis)

Então não bastaria estudarmos sobre a psicanálise? Por que precisamos do psicanalista? Em uma das cartas que trocadas com Fliess (colega médico e confidente) Freud afirma: “A verdadeira autoanalise é impossível, do contrário não haveria doença.”

Seria impossível travar uma luta com nós mesmos para quebramos nossas próprias repressões. Quanta vezes nos faltariam coragem de olhar ou confrontar? Tenderíamos ao princípio de nirvana sempre que possível.

E sim, é mais fácil ter coragem se temos o psicanalista preparado para estar nesse caminho tortuoso do desenvolvimento emocional. O terapeuta faz muitos esforços como estudo, supervisão e analise pessoal de alta frequência, para que esse caminho, ainda que em companhia, seja individual e próprio do sujeito. Sem gerar dependência ou estar munido de julgamentos morais.

“Um dia, quando olhares para trásverás que os dias mais belos foram aqueles em que lutaste.” Freud

Feliz dia do Psicanalista aos terapeutas, mestres, supervisores e colegas.

Julia G. B. V. Boselli CRP:06/136769

Psicóloga clínica; Membro filiado Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo -SBPSP; Membro filiado ao NPMR – Núcleo de Psicanálise de Marília e Região; Graduada em Psicologia pela Universidade de Marília (SP) – UNIMAR;  Especialista em Psicoterapia de Orientação Psicanalítica pela Faculdade de Medicina de Marília – FAMEMA.
Realizou Curso de Aprimoramento em Psicoterapia Psicanalítica pelo Núcleo de Psicanálise de Marília e Região.
Auxiliar Comissão de Cultura do NPMR;
Auxiliar Comissão de Avaliação de novos agregados NPMR;
Auxiliar Comissão do Serviço de Orientação e Encaminhamento (SOE) NPMR.

Passado, presente e futuro

Alfredo Menotti Colucci*

A Psicanálise implantou-se formalmente em Marília e região no final da década de 1960, com atividades que se desenvolviam pelo Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da Faculdade de Medicina de Marília – FAMEMA, sob minha coordenação, com uma forte influência psicanalítica trazida da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP, propiciando o desenvolvimento de trabalhos, pesquisa e estudo da Psicanálise. Naquela época, Marília era um centro universitário com a presença de professores de reconhecimento internacional ligados à FAMEMA como a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Marília – USP.

O currículo da FAMEMA foi divulgado em Congressos encontrando ressonância nos órgãos governamentais. Foi quando, no início de 1973, foi firmado o Convênio com o Ministério da Saúde com respaldo da Organização Mundial da Saúde, criando-se o Centro Integrado de Saúde Mental de Marília. que integrou a FAMEMA a todos os serviços de saúde mental, tanto municipais e estaduais, como federais.

Esse foi um programa que repercutiu de forma positiva na academia brasileira e a FAMEMA foi construída sobre esse alicerce. Penso que essas origens a fazem ser, se não a única, uma das principais no cenário nacional pela dimensão da saúde integral do HOMEM.

Alguns anos antes, em 1968, iniciei minha formação psicanalítica e encontrei na Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo uma entidade comprometida com a difusão da Psicanálise, herança de Durval Marcondes e Virgínia Bicudo. Incorpora-se nela o espírito expansionista dos bandeirantes, e o pioneirismo em aderir ao criativo, o que resulta na pujança de seu crescimento. A inclusão da análise concentrada foi decisiva para que a Psicanálise se ampliasse para o interior. Entretanto, em 1982, a IPA recomenda o impedimento de se iniciar análises concentradas, o que exigiu uma mobilização tanto da ABP (atual FEBRAPSI) como da SBPSP, e iniciaram-se jornadas científicas para permitir que argumentos consistentes pudessem ir contrapondo-se aos da IPA. Cito alguns dos autores desses trabalhos: Alfredo Menotti Colucci, Deodato Curvo de Azambuja, João Carlos Braga, Luiz Carlos Menezes, Marcio Giovanetti, Roosevelt Cassorla e outros, que foram decisivos nesse processo. Além da participação de Plinio Montagna junto à IPA para a aceitação da análise concentrada, considerando que, sem esse modelo, seria impossível o desenvolvimento da Psicanálise no Brasil.

    

Em 1992, é criada na SBPSP a Comissão do Interior sob a coordenação de Odilon Franco Filho. Durante oito anos, até 2000, quando pode ser instalada a Secretaria do Interior, um trabalho de base foi realizado por mim, José Pavan, Regina Colucci, Maria Auxiliadora Ribeiro, Cibele Brandão, Miguel Marques, Tais Marques e Celina de Melo e, reunindo-nos na Clínica Guanas, demos prosseguimento à nossa formação psicanalítica na SBPSP e trabalhamos na difusão da Psicanálise. Tal era a repercussão, que a clínica era chamada de “Sergipinha”, por propiciar cursos e seminários clínicos para muitas cidades da região, uma alusão à Rua Sergipe, então sede da SBPSP.

A produção de trabalhos psicanalíticos também foi marcante, o que estimulou o lançamento de uma revista que, por seu conteúdo psicanalítico, recebeu o nome de Revista do Interior com duplo significado: os analistas residentes no interior e o tema do interior do Homem. A revista foi, na realidade, uma nova edição de uma revista produzida na década de 1970.

A Clínica Guanas foi insuficiente para suportar o crescimento do grupo, mas como existia nela um Centro de Estudos Psicanalíticos, foi possível reproduzi-lo na instalação do Núcleo de Psicanálise de Marília e Região (NPMR). Na época, esse núcleo e o de Curitiba foram oficializados pela FEBRAPSI, estimulando a instalação dos Núcleos pela Secretaria do Interior na gestão de Márcio Giovanetti (2000), sob minha coordenação. Logo, 16 Núcleos da Secretaria do Interior estavam ativos. Nessa época, tal qual um caixeiro-viajante, foi possível levar a Psicanálise para cidades do estado de São Paulo, bem como outros estados do Brasil. Minha participação em duas gestões das diretorias da SBPSP e da FEBRAPSI foram importantes para trazer subsídios para Marília e sempre estimulei a SBPSP a continuar sua vocação bandeirante. 

  

Em final de 1994 instala-se oficialmente o NPMR, o que marca o início das atividades institucionalizadas em Marília e Região. Destaco dois eventos: I Encontro do NPMR, em 1995, e o II Encontro do NPMR, em 1997 – Entrelinhas. Dessa forma, construiu-se o berço para a Diretoria Regional na SBPSP, que continuou estimulando novos Núcleos. Essa história pode ser acompanhada no livro “Caminhos cruzados, sonhos compartilhados: Inserção da Psicanálise em Marília e Região” que se encontra no acervo da SBPSP, propiciando investigar os fatores que são necessários, mas não suficientes, para a inserção da Psicanálise em uma região ou mesmo sua difusão e/ou sua divulgação.

Hoje o NPMR, pelo seu crescimento, número de membros e atividades, busca a passagem para Grupo de Estudo ligado à IPA.

Pesquisa em Psicanálise

Com a vinda de Bion na década de 1970, e estimulado por Judith Andreucci, Lygia do Amaral e Frank Phillips, desenvolvi investigações no início das relações mãe-bebê-pai, tendo produzido vários trabalhos, sendo o de maior investimento, o realizado por uma equipe multiprofissional composta por psicanalistas, pediatras, ginecologistas, estatísticos e filósofos, que durou 5 anos na observação de gestações, período perinatal, parto e puerpério de 33 casais grávidos.  Pesquisa subvencionada pela RAB – IPA, aprovada em 23 de junho de 2000.

Uma proposta para o futuro

A pesquisa sobre análise concentrada permitiu que a SBPSP ampliasse sua expansão. Hoje, com a introdução do sistema de cursos, seminários, supervisões e análises on-line, novos estudos precisam ser realizados, pois esta forma de trabalho, embora importante, ainda não apresenta experiências suficientes a respeito de sua repercussão na formação psicanalítica. Uma vez alicerçada, e aperfeiçoando-se esta aquisição, somada à atualização da SBPSP pelo sistema Virgínia, poderia alcançar áreas e ampliar a expansão da Psicanálise na Grande São Paulo e no Estado, continuando a ser norteada pelo espírito bandeirante.

Deixo meu agradecimento a todos que trabalharam nessa empreitada, com destaque aos funcionários da SBPSP.

Crédito: Aleksey Odintsov, Abstract Twisted Waves. 

Alfredo Menotti Colucci

É psicanalista, membro efetivo, docente e ditada da SBPSP e Fundador do Núcleo de Psicanálise de Marilia e Região. 

Precisa de ajuda?