Sofrimento psíquico e sociedade: em que medida as transformações sociais perturbam o sujeito contemporâneo?

Sofrimento psíquico e sociedade: em que medida as transformações sociais perturbam o sujeito contemporâneo?

Maria Guineza Bolzani Borges 

Psicóloga Especialista em Psicoterapia Psicanalítica 

pelo Núcleo de Psicanálise de Marília e Região

     Diariamente na atuação clínica, ouvimos de cada sujeito em nossas poltronas e divãs, uma multiplicidade de conflitos, exigências, desejos e sofrimentos. Tenho escutado e percebido que o sofrimento vivenciado pelas pessoas está relacionado às vivências afetivas ligadas a si mesma, aos grupos sociais e aos impactos causados em suas vidas. 

     As mais diversas queixas se apresentam e com isso, a necessidade de uma compreensão abrangente, olhando não apenas para o individual – olhar este fundamental para a complexidade de um sujeito, que é um todo em si mesmo – mas também para o social em que estamos inseridos. 

     Para isso, veremos as principais diferenças entre a sociedade moderna e pós moderna, bem como a compreensão acerca do ambiente e desenvolvimento emocional do sujeito, relacionando com a busca incessante do prazer que gera angústia e sofrimento, uma vez que a dificuldade em lidar com restrições e frustrações parece perturbar o sujeito contemporâneo. 

     Winnicott já afirmava que para existir saúde mental, é necessário um ambiente suficientemente bom, que “é aquele que facilita as várias tendências individuais herdadas, de tal forma que o desenvolvimento ocorra de acordo com elas” (Winnicott, 1967, p.22).  

     Tendo em mente que o psiquismo do sujeito influencia o modo como ele percebe e age na sociedade, podemos entender que a psicanálise é social, uma vez que somos formados pelos aspectos positivos e negativos que o ambiente nos proporciona e como cada indivíduo vivencia e reage aos estímulos, excessos e faltas apresentadas.  

     Ao nos depararmos com esse pensamento, podemos começar a identificar um grande conflito que surge no discurso do indivíduo, que é a dificuldade na harmonia necessária entre o dever e o desejo, entre a culpa e a realização, entre a insatisfação e a satisfação, que tem como consequência o aumento de angústias. 

     Há quem diga que vivemos ainda a sociedade moderna, ou já a pós moderna. E o fato é que atualmente estamos passando por um período de transição, em que uma série de construções sociais tem sido revistas, ressignificadas e modificadas.  

     A Modernidade, de acordo com Marion Minerbo (2019, p.203) se caracteriza pela “solidez de grandes instituições – refiro-me a: família, educação, política, religião, – as quais têm o poder de determinar, com exclusividade, a maneira possível e desejável de pensar, sentir e agir. Há o certo e o errado, o bom e o mau.” E que as pessoas deveriam, então, se encaixar nessa proposta de vida e valores absolutos e universais instituídos.  

     Essa transição e as características atuais, nos encaminha para outras definições. Um constante movimento para que as normas da “boa moral” sejam flexibilizadas e, consequentemente, produza menos sofrimento para aqueles que não se encaixam àquilo que está instituído há tanto tempo, em uma sociedade Pós moderna. 

     Pensemos, então, no contexto social atual: exigência de produtividade ilimitada, em uma sociedade que não aceita pausas; tudo funciona e roda o tempo todo, desde enormes indústrias, até o aparelho celular que hoje é uma extensão do próprio sujeito. Segundo descreve o sociólogo Zygmunt Bauman (2001), a sociedade pós moderna, tem características líquidas: sem forma específica, prontas a adaptações, mudam, transbordam e não se atém muito ao tempo e espaço que ocupam, apenas de forma temporária e momentânea, sem bordas e sem contorno – uma sociedade fluida. 

     Os ambientes de trabalho passam a não ter mais horários definidos; mercados, farmácias, conveniências, bares, entre outros, tudo funcionando sem pausas, redes 24 horas a disposição dos consumidores. O trabalho que termina na empresa e continua em casa, disponibilidade de contato nas folgas, nas férias, a dois toques no celular, distância já não tão mais relevante, – “Ora, se você não faz, substitui-se por quem faz” – uma sociedade que não pode descansar, troca-se turnos, troca-se saúde física e mental por produção e visibilidade. Uma era de competitividade, de multipolarização, onde o sujeito precisa se desenvolver cada vez mais e se (re)afirmar o tempo todo, para manter “seu lugar” na sociedade, onde vence aquele que “parece o melhor”. 

     Além disso, fica claro uma condição contemporânea de intolerância geral. Todos têm direito ao pensamento crítico e a viver a vida como quiser (desde que não invada o espaço e direito do outro), porém, com a disseminação das redes sociais, a privacidade tem ficado em segundo plano, é quase uma utopia, uma vez que pessoas se sentem no direito de criticar e fazer apontamentos, muitas vezes carregados de ódio, sobre como o outro pensa e vive. É o eu se impondo ao outro, ao nós, cada vez mais individual na busca da perfeição existencial. 

     Porém, o que temos visto nos últimos anos, é a impossibilidade de atender a essas exigências, o que contribui para a evitação dos vínculos de afeto, gerando sofrimento e solidão. O que nos leva a refletir: em que medida a evolução da sociedade perturba o sujeito? 

     Para explicar de maneira muito breve e compactada, Freud, a partir de 1920 descreve na teoria da segunda tópica, a noção da existência de três elementos psíquicos que interagem e compõem a formação da personalidade humana, que são o Id (instintivo e pulsional, busca a satisfação imediata de desejos a qualquer custo; quando não satisfeitas imediatamente, geram sensação de ansiedade, tensão e desprazer), o Ego (cuja função é equilibrar as imposições do id, ordens do superego e as exigências da realidade externa) e o Superego (consciência moral como resultado da castração; são as leis e normas internalizadas para aprimorar a civilidade dos comportamentos mais complexos).  

     Com base nesta premissa, compreendemos que a personalidade é um conjunto dinâmico de estruturas que vão se modificando e evoluindo ao longo da vida de cada pessoa. Essas estruturas são resultado de características inatas e sociais que se atrelam umas às outras e resultam no modo individual e subjetivo de cada sujeito pensar, falar e se comportar.  

     Segundo Marion Minerbo (2019, p.215), “a psicopatologia contemporânea tem a ver não só com o desamparo identitário, mas também com algum tipo de excesso pulsional”. Ela nos traz ainda a ideia de que os adoecimentos psíquicos da pós modernidade estão relacionados tanto com o Eu, quanto com o Self (sentimento de identidade, de ser “eu mesmo”), e elege três principais categorias do adoecimento contemporâneo: os psicossomáticos; o vazio, o tédio e a apatia; e, adicções e compulsões. 

     Uma vez que cada sujeito funciona de maneira subjetiva com a castração, fantasias e realidade que se apresenta, temos uma infinidade de modos de agir em uma sociedade que exige a abdicação da satisfação de desejos para que as relações possam acontecer.  

     Considerando que o funcionamento social atual tem deixado as bordas, os limites e regras sociais sem muita definição – especialmente em decorrência do desenvolvimento das tecnologias -, cada um de nós precisa construir e/ou reconstruir nossa própria identidade, que esteja de acordo com a realidade interna e externa, mas sem perder a autenticidade de ser quem somos. 

     Desse modo, a psicanálise precisa estar em constante contato com as diferenças, se articulando com a multiplicidade de conflitos na relação do superego com os ideais individuais e da cultura, lidando com a mudança continuamente.  

     Como nos afirma Marion Minerbo, “cada momento histórico tem suas formas de ser e sofrer predominantes. É assim e pronto” (Minerbo, 2019, p. 229). De forma que cabe a nós, profissionais da psicanálise, a compreensão da sociedade, para atender as demandas que surgem na clínica, adaptando o setting de forma pertinente à realidade, uma vez que as características de atendimentos nos últimos anos têm mudado também. 

     O fator principal para o sucesso de uma análise seria então, a vinculação e interação entre analista-analisando, onde cada um é afetado pelo outro mutuamente, de modo que nesta interrelação possa existir um espaço onde a comunicação ocorre de maneira fluida, capaz de produzir interpretações, insights e elaborações que sejam capazes de gerar transformações na vida do sujeito. Em outras palavras, “o objeto psicanalítico passa a ser a dupla que se relaciona horizontalmente, em intimidade, assimetria e fertilidade, e o acesso ao mental se faz pela via intersubjetiva.” (Perrini, 2021, p.117). 

     Por fim, podemos concluir então, que além de considerarmos as técnicas postuladas pelos psicanalistas clássicos, é igualmente relevante a consciência e clareza da importância do estar junto, da possibilidade de criação, (re)construção e (re)significação do psiquismo de cada sujeito com base na verdade, realidade e possibilidades de experiências emocionais que só podem ocorrer na sala de análise, já que é na experiência emocional da dupla que o desafio do fazer psicanalítico tem sentido transformador e curativo.  

REFERÊNCIAS 

BAUMAN, Z. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2001. 

FREUD, S. (1923-1925). O Ego e o Id e outros trabalhos. In: FREUD, S. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. v. 19. Rio de Janeiro: Imago, 1996. 

FREUD, S. (1930) O Mal Estar na Civilização. In: FREUD, S. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. v. 21. Rio de Janeiro: Imago, 1996. 

MINERBO, M. Novos diálogos sobre a clínica psicanalítica. São Paulo: Blucher, 2019, 288p. 

PERRINI, E. Recordar, repetir e criar na clínica psicanalística: do lero lero à pancada de arrepio. In: Revista Brasileira de Psicanálise, vol. 55, n. 1, 2021, p.115-130. 

WINNICOTT, D. Tudo começa em casa. São Paulo: Ubu Editora, 2021, 336p. 

Saúde mental: da corrente ao continente

Saúde mental: da corrente ao continente

Maria Angelica Amoriello Bongiovani

Membro Efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo
e Membro do Grupo de Estudos de Psicanálise de Marília

“Todo mundo tem um pouco de loucura. Vou lhes fazer um pedido: Vivam a imaginação, pois ela é a nossa realidade mais profunda” (Nise da Silveira)

Pensar sobre a saúde mental nos leva a sonhar sobre a tão fundamental e essencial cultura de prevenção, os seus primórdios e a contemporaneidade. Em toda essa complexidade, envolvendo o psiquismo, cuidar da saúde mental de forma preventiva é o ideal. A prevenção primária, consiste em evitar a ocorrência do problema alvo, isto é, diminuir a incidência, prevenindo, antes que a doença-problema, se instale. Podemos pensar como exemplo, no suicídio, gravidez precoce, doenças sexualmente transmissíveis, transtornos mentais, drogadição e muitos outros.
Testemunhamos com frequência, desdobramentos relativos à falta de investimento em saúde pública, cito como exemplo o caso de adolescentes invadindo escolas com armas de fogo e assassinando em série, crianças e professores indefesos. Quantas situações turbulentas e conflituosas poderíamos ter evitado se houvesse uma procura mais acentuada e frequente, pelos profissionais de saúde mental. Buscar ajuda é um sinal de força e não de fraqueza. O sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Bauman, enfatiza com relação às crianças e jovens adolescentes que, “Instrumentos como leitura, informação, arte, cultura, política e trabalho social podem torná-los críticos em relação às facetas dessa sociedade, esse “mundo líquido”, em que nada é feito para durar, para ser sólido”.
Caminhando pelo viés da saúde mental em direção aos aspectos primitivos, encontramos na forma de rolo de papiro, monumentos e os livros da Bíblia, revelando que os antigos egípcios, árabes e hebreus acreditavam que o comportamento anormal era decorrente de possessão por forças sobrenaturais, como deuses irados, maus espíritos e demônios. A abordagem típica para expulsar os demônios era usar encantamentos, preces e diversas formas de punição física, como apedrejar ou açoitar, eram defendidas como um meio de forçar os demônios para fora de uma pessoa possuída.
A primeira tentativa de explicar o comportamento anormal em termos de causas naturais, ao invés de sobrenaturais, ocorreu quando Hipócrates (460-377 d.C.), conhecido como o pai da medicina moderna, ensinou que o cérebro é o órgão responsável pelos transtornos mentais. Ele também sugeriu que o comportamento era governado pelos níveis relativos de quatro humores (líquidos) no corpo: bile negra, bile amarela, fleuma e sangue. Por exemplo, ele acreditava que o excesso de bile negra causava depressão e que o excesso de bile amarela estava associado à tensão, ansiedade e instabilidade pessoal. Hipócrates carecia de técnicas científicas para verificar sua explicação, mas sua abordagem nos iniciou no caminho de melhor investigar aspectos relativos à doença mental. Durante a Idade Média (500-1500 d.C.), a religião tornou-se a força dominante e a abordagem naturalista de Hipócrates foi, essencialmente, abandonada, e as doenças mentais foram consideradas uma consequência de possessão demoníaca.
Por volta do final da Idade Média, a política da igreja oficial ditava que as bruxas fossem destruídas e muitas vezes, queimadas vivas. Depois que os indivíduos perturbados foram reconhecidos como pacientes, o passo seguinte em promover atendimento humanitário envolveu melhor as condições nas quais os pacientes viviam. O famoso Philippe Pinel (1745-1826), em 1792 ordenou que os pacientes de seu hospital, em Paris, fossem desacorrentados e que os alojamentos fossem renovados para se tornarem mais agradáveis. Da corrente ao continente, de Sigmund Freud que é o pai da psicanálise à Bion, chegamos em “Uma teoria do pensar”, que é essencial para a expansão e transformação sobre o enfrentamento da realidade:

“Se a capacidade de tolerar frustração é suficiente, o “não-seio” no interior torna-se um pensamento e desenvolve-se um aparelho para “pensá-lo”. Isto dá início ao estado, descrito por Freud em seu artigo, “Os dois princípios do funcionamento mental”, no qual a predominância do princípio de realidade é sincrônica ao desenvolvimento de uma capacidade para pensar e assim transpor o fosso de frustração entre o momento em que uma necessidade é sentida e o momento em que a ação apropriada para satisfazer a necessidade culmina em sua satisfação. Assim, a capacidade para tolerar frustração capacita a psique a desenvolver pensamentos como um meio de tornar a frustração tolerada ainda mais tolerável (Bion,1961).

A saúde mental transforma-se, com as ideias geniais de Freud e sua prática clínica (talking cure, chimney sweeping). Em berço esplendido somos gratificados com a descoberta da Psicanálise. A sua experiência clínica o levou a formular a hipótese de que a mente humana é semelhante a um iceberg – a maior porção está completamente encoberta. A vasta parte oculta da mente é chamada de inconsciente e ela contém desejos, medos e conflitos poderosos que exercem uma forte influência sobre o comportamento humano. 

 Freud acreditava que as memórias e conflitos mais importantes, guardados no inconsciente são aqueles vividos no início da infância. Para ele, o histérico sofre sobretudo, de reminiscências. São lembranças vagas e quase apagadas, alguma coisa que se guardou na memória, inconscientemente. O mais importante é que essas lembranças do passado, carregadas de afeto, continuam controlando nosso comportamento no tempo presente. E isso afeta o nosso futuro. A dor mental precisa ser cuidada e esteticamente, manuseada. A cura não vem do esquecer, vem do lembrar sem sentir dor. 

 Finalizando, a psicanálise, desde que operada segundo os requisitos básicos prescritos por Freud – que permitem a emergência de instrumentos essenciais para o trabalho analítico ,como: a instalação de vínculo transferencial, o estímulo a associações livres, a liberdade para fantasiar, a abstinência de compreensão racional, a presença de angústias de separação e assim por diante – demanda a presença de um psicanalista, ou seja, de um outro que tenha se preparado para introjetar um setting abdicado de desejos pessoais, com exceção do desejo de psicanalisar (JUNQUEIRA FILHO, 2023). 

REFERÊNCIAS: 

BAUMAN, Zygmunt. Tempos Líquidos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007. 

BION, Wilfred R. Uma teoria do pensar. In: SPILLIUS, Elizabeth Bott (Org.). Melanie Klein hoje, desenvolvimentos da teoria e da técnica Vol. 1: Artigos predominantemente teóricos. Rio de Janeiro: Imago, 1991.  p. 185-193. 

FREUD, Sigmund; Breuer, Josef. Estudos sobre a histeria: 1893-1895. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. 

JUNQUEIRA FILHO, Luis Carlos Uchôa. O estranho encontro entre o eu e o outro: sobre os destinos da dor mental. São Paulo: Blucher, 2023. 

168 anos de Freud e Dia do Psicanalista

168 anos de Freud e Dia do Psicanalista

Comemoramos hoje, 06 de maio, os 168 anos de nascimento de Sigmund Schlomo Freud (1856-1939), nascido na cidade de Freiberg, na Morávia (hoje Tchéquia), a 160 km de Viena, capital da Áustria.

Elizabeth Roudinesco em seu “Dicionário de Psicanálise” (1998) nos diz que foi Stefan Zweig, em 1942, quem redigiu um dos retratos mais realistas de Freud: “Não se podia imaginar um indivíduo de espírito mais intrépido. Freud ousava a cada instante expressar o que pensava, mesmo quando sabia que inquietava e perturbava com suas declarações claras e inexoráveis; nunca procurava tornar sua posição menos difícil através da menor concessão, mesmo de pura forma. Estou convencido de que Freud poderia ter exposto, sem encontrar resistência por parte da universidade, quatro quintos de suas teorias, se estivesse disposto a vesti-las prudentemente, a dizer “erótico” em vez de “sexualidade”, Eros em vez de “libido” e a não ir sempre até o fundo das coisas, mas limitar-se a sugeri-las. Mas, desde que se tratasse de seu ensino e da verdade, ficava intransigente; quanto mais firme era a resistência, tanto mais ele se afirmava em sua resolução. Quando procuro um símbolo da coragem moral — o único heroísmo no mundo que não exige vítimas — vejo sempre diante de mim o belo rosto de Freud, com sua clareza viril, com seus olhos sombrios de olhar reto e viril.”

Assim, no dia 06 de maio passou a ser celebrado como o Dia do Psicanalista em homenagem ao nascimento de Sigmund Freud e a duradoura descoberta que sua obra fez a respeito da mente humana. É uma ocasião para celebrar e valorizar o trabalho dos inúmeros psicanalistas que se formaram em uma trajetória de estar sempre em construção e dedicados ao estudo e prática da Psicanálise.

Texto: Cibele di Battista Brandão, Membro Efetivo e Analista Didata da SBPSP e Presidente do GEP Marília e Região.

Saudação aos formandos do CFPP – XIII Turma 2022/2023

Boa noite a todos!
Cumprimento o Conselho Diretor do GEP Marília e Região, Formandos, Senhores Pais e Amigos aqui presentes.
Nesta cerimônia de hoje dirijo-me especialmente aos formandos que nessa noite cumprem a etapa de conclusão do Curso de Formação de Psicoterapia Psicanalítica. Essa é a 13º turma que se forma conosco. A vocês espero dirigir algumas poucas palavras que possam acompanhá-los, e servir de pontos de reflexão em seus caminhos na busca do vir a ser de cada um.
São palavras nos moldes daquelas que nós um dia já dissemos aos nossos filhos quando esses alcançam seus voos. Queremos que levem algo não como regra ditada de forma rígida, mas reflexões que levarão na mala vindas de
nossos corações quando podemos dizer: – Confesso que vivi. E nesse viver aprendemos que a busca do conhecimento, do estudo é uma tarefa que não tem fim. E assim digo-lhes que um de meus votos para vocês é que saibam que nossa busca é constante. Somos eternos estudantes. Há um ensinamento na música de Wagner Tisso e Milton Nascimento que em ocasiões como esta nunca deixamos de nos lembrar – Coração de Estudante –, é uma canção que fatalmente vem a nossa memória. Em uma das estrofes dessa verdadeira poesia eles dizem: “Mas renova-se a esperança, nova aurora a cada dia. E há que se cuidar do Broto. Para que a vida dê flores e fruto.”

Desejo que vocês possam sempre estarem atentos para identificar um Broto que apareça e que pode ser que venha de várias partes – De suas metas profissionais, de seus relacionamentos, projetos e sonhos. Cuidem bem dos Brotos – eles nos dão flores e frutos. Sua decisão de formar-se como um psicoterapeuta psicanalítico possivelmente veio de vários motivos – Tanto
de conhecer-se melhor como ser humano, como conhecer também melhor cientificamente o ofício e exercer a profissão com mais segurança. Isso lhe proporcionará a chave de aprendizado durante toda a vida e seria interessante sempre reservar um tempo para descobrir muitas formas de compreensão da mente humana – Temos uma infinidade de autores, de assuntos nos esperando para serem descobertos por nós. Estude sempre muito, a vida inteira. Trabalhe muito também. Aí estará sua experiência. É um ofício que não tem meio termo. Você tem que fazer uma imersão.

Aprender com seus mestres, aumentar a chance de você ir construindo uma maneira própria de ser e pensar – essa é a meta.
Procure sempre fazer parte de uma instituição- dedique tempo para sua profissão. E não fique sozinho. Participe junto a seus pares. Mas dedique tempo principalmente para sua vida como um todo. Divirtam-se. Tanta coisa existe para ler, ouvir, assistir e em nossa profissão há algo tão interessante – conforme você se diverte, tem momentos de prazer, encontra bons amigos,
bons amores, bons lugares para conhecer, tudo reverte em maior aprendizado sobre o ser humano e consequentemente tudo isso amplia sua escrita, sua compreensão analítica quando estiver trabalhando. Cuide então de seu estudo, sua diversão e vivência e cuide de seu corpo. Ele tem uma tendência natural ao sedentarismo em função do ofício. Precisa ser cuidado, mesmo porque é uma profissão que lhe permite trabalhar até numa idade mais avançada, por isso prepare-se para aproveitar o tempo maior que lhe espera. Ao estar saudável, o tempo útil da vida profissional aumenta.

Por fim gostaria de ressaltar que há um modelo de formação psicanalítico que usamos dentro de nossas instituições que não é o único, mas é o mais praticado por nós que se chama Modelo Eittingon. Esse modelo aponta que um tripé na formação:

  • Análise pessoal;
  • Supervisões;
  • Seminários.
    Mesmo que você não siga uma formação psicanalítica clássica, lembre-se de estar atento a essas três necessidades:
  • Seminários;
  • Cuidar da mente;
  • Cuidar de seu desenvolvimento profissional;
  • Estudar – evoluir teórico e clinicamente.
    Finalizo saudando todos vocês! Parabéns aos Docentes, aos nossos
    funcionários e seus familiares e; principalmente parabéns para vocês
    queridos formandos por essa conquista!
    Últimas palavras, empresto as de Cecilia Meirelles:

Renova-te
Sê sempre o mesmo
Sempre outro
Mas sempre alto
Sempre longe
E dentro de tudo

Cibele Maria Moraes di Battista Brandão
Presidente do Grupo de Estudos
Psicanalíticos de Marília e Região

As principais contribuições de Thomas Ogden para a clínica psicanalítica

As principais contribuições de Thomas Ogden para a clínica psicanalítica

”Assim como oceano só é belo com o luar

Assim como canção só tem razão se se cantar

Assim como a nuvem só acontece se chover

(…) Não há você sem mim e eu não existo sem você”

Tom Jobim / Vinicius de Morais

Thomas Ogden, psiquiatra e psicanalista americano, filiado à International Psychoanalytical Association (IPA), nasceu em 04 dezembro de 1946. Mora em São Francisco, Califórnia, e ao longo desses anos trouxe uma grande contribuição para o desenvolvimento da Psicanálise ao centralizar seus estudos, questionamentos e ampliação da teoria do desenvolvimento da personalidade, da interação intersubjetiva e do processo psicanalítico. Tem um grande volume de publicações, grande parte delas traduzidas e publicadas em português, atualmente mais intensamente pela Editora Escuta com a coleção Kultur. Ganhador dos mais importantes prêmios da Psicanálise, Ogden propõe um novo olhar para o processo analítico. Seus pilares e referências teóricas são Freud, M. Klein, Bion, Tustin, Fairbairn e Winnicott. Ele é visto como psicanalista e escritor. Suas obras são muito bem escritas e de grande profundidade.

Ogden se destaca como uma das mentes mais brilhantes no cenário psicanalítico atual, com perspectivas intuitivas e profundas sobre o funcionamento e desenvolvimento mental, bem como sobre o que ocorre na relação analítica, além de ser um autor inventivo e premiado e ter da literatura e da escrita uma visão interativa bastante peculiar.

Centralizarei o relato de suas principais contribuições nos conceitos que surgem da interação dialética entre sujeito e o objeto ressaltando uma nova forma de destacar a intersubjetividade. Os sujeitos criam-se mutuamente, não há analista sem analisando e não há analisando sem analista, mesmo quando as individualidades são mantidas e consideradas. O analisando não é só o sujeito da investigação, o analista compõe essa investigação, é sujeito dela também quando empresta suas rêveries advindas de seu posicionamento vindos do senso de vitalidade e desvitalização de ambos. Talvez esse seja o ponto nodal do processo analítico. Ela está nos bastidores de todos os momentos da sessão. Ogden dá grande importância à experiência de estar vivo e que as palavras e a escrita estejam vivas também. E em constante movimento, quando a dupla está estagnada a possibilidade de transmitir o sentido da experiência humana fica estagnado também.

O objetivo da tarefa no processo analítico, na escrita e na busca pelas palavras é usar a linguagem para aprimorar a tradução da experiência humana, poder captá-la em graus mais profundos. Não é falar, escrever ou psicanalisar sobre, mas é o esforço de criação da experiência de vitalidade humana. A vitalidade precisa ser vivenciada. Com essa vitalidade o analista tenta se manter inconscientemente receptivo para desempenhar papéis na vida inconsciente do analisando. Ele dá uma parte de sua individualidade que nasce de ambos.

Requer um grande investimento de ambas as partes. Disso depreendemos a ideia da enorme importância que é tornar-se um analista constantemente. Adquirir uma possibilidade de ser um determinando analista para cada analisando.

 “Aprender a falar com a própria voz e com as próprias palavras requer que a pessoa aprenda a ouvir e a usar os sons vivos da fala”. 

E direcionando para aquele paciente.

Esse desafio, a fala humana viva, é difícil de ser adquirida para analisar, escrever e falar. Para Ogden, o que faz abrir um abismo entre o par analítico é o impedimento de ouvir de modo imaginativo e livre os pensamentos, sentimentos e sensações inconscientes de ambos. O esforço embutido na tarefa analítica é a tentativa do par para ajudar o analisando a se tornar humano em um sentido mais amplo. Ele atribui esse esforço entre as poucas coisas que pode ser mais importante do que a sobrevivência.

Em sua visão, toda forma de psicopatologia em geral pode ser vista como a incapacidade de crescer. De vir a ser plenamente de uma maneira que pareça real. A experiência de não crescer, não mudar, não se tornar, é um estado de ser no qual a pessoa é incapaz de sonhar, de se engajar em um trabalho psicológico inconsciente e consequentemente incapaz de imaginar a si mesmo, de imaginar a si mesmo na existência. Em outras palavras, uma medida significativa da gravidade da doença psíquica é o grau em que o tornar-se cessou.

A experiência de ser e tornar-se em saúde é uma qualidade fundamental de estar vivo desde o início até o fim da vida.

Cibele di Battista Brandão é membro efetivo e analista didata da SBPSP e membro titular do GEP Marília e Região. 

Imagem: Shutterstock 

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