A propósito do 13 de maio e chegando no 20 de novembro…

No dia das mães, que ocorreu este ano (2024) no dia 12 de maio, comecei a pensar no dia 13 de maio de 1888, dia em que foi declarada extinta a escravidão no Brasil. Em nome de Sua Majestade o Imperador, o Senhor D. Pedro II, a Princesa Imperial Regente (Isabel) fez saber a todos os súditos do Império que a Assembléia Geral decretou e ela assinou e sancionou a lei. PORÉM, nada, além disso, foi feito pelos “libertos”. A partir daí não tiveram nenhum direito legal garantido por lei. O que todo ser humano necessita? Direitos à educação, alimentação, segurança, trabalho, moradia, saúde e ser reconhecido como cidadão do lugar onde vive? Se nada disso foi minimamente garantido o que ocorreu com essas pessoas? Qual a qualidade de vida que passaram a ter? Qual o reflexo disso nos tempos de hoje? Paramos para pensar sobre isso? Creio que seria bom conversarmos a respeito disso. Poderá nos ajudar a entender alguns aspectos da cultura brasileira, na qual estamos todos imersos. Esse quadro abaixo, intitulado Mãe Preta, de Lucílio de Albuquerque, de 1912 me impressiona, entre outras coisas por que me faz pensar: O que mudou dessa realidade nos dias de hoje?

Ayabá é uma palavra Yorubá que significa grande mãe, “mãe rainha”, e no camdomblé, é o nome dado às Orixás mulheres. O poder feminino, que representam as forças da natureza, a gestão da vida e o poder do matriarcado, no caso, é toda forma de
dar força a uma mulher, de trazê-la a sua verdadeira essência, sua forma original, antes da sociedade determinar como ela deve se portar. In:Salles, Larissa Oliveira. Ayabas: o poder feminino. 202034f.,Il. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Comunicação)- Universidade de Brasília, Brasília, 2020

Conjecturei que chamavámos de babá pela presença das Ayabas. Só que não! A origem da palavra Babá vem do persa bābā (اباب(, que significa pai. Cada vez mais presentes na sociedade moderna, as babás são as responsáveis por cuidar das crianças a partir de 3 ou 4 meses de idade (sem especialização em enfermagem) na ausência dos pais. Postado em 02/04/2019. Google 23/05/2024,11:15h

Nos tempos da escravidão havia a Ama de leite, geralmente esse encargo era dado às escravas que já tinham filhos. Atualmente ama de leite é definido como a mulher que amamenta criança alheia quando a mãe natural está impossibilitada de fazê-lo.
Busquei fotos de babás na internet, e as imagens que apareceram foram de mulheres pretas ou pardas.

Fiquei intrigada e resolvi verificar qual a característica da população brasileira hoje. População aproximada do Brasil segundo as regiões. Baseada no Censo do IBGE 2022

Vamos verificar a porcentagem da população do Brasil do ponto de vista da cor da pele: Censo do IBGE 2022

Pardo segundo o IBGE: Se refere a quem se declara pardo e possui miscigenação de raças, com predomínio de traços negros. Preto é a pessoa que se declara preta e possui características físicas que indicam ascendência predominantemente africana.
População numérica, aproximada, do Brasil segundo a cor da pele. Segundo dados do IBGE 2022

Podemos dizer (a partir da constatação) que os pretos e pardos são maioria no nosso país, mas sabemos que não ocupam a maioria dos postos de trabalho que são melhores remunerados. Estes são ocupados por homens e brancos. Sabemos também que temos mais mulheres que homens na nossa população. Não chequei os índices, mas sabemos que as mulheres de uma maneira geral não estão nos cargos melhores remunerados. É algo para aprofundar no conhecimento. E o que dizer da população amarela e indígena?
Quando eu estava no ginásio participei do coral do colégio e nós cantávamos uma música de autor desconhecido, com a seguinte letra:

Negro clama liberdade
Negro não sabe o que é dor!
Negro não tem alma não.
Assim dizia o feitor…
Com seu chicote na mão.
Malvado banzo me mata
Quero a pátria voltar
Na minha terra sou livre
Como avezinha no ar.
Negro, Negrooooo
Como entendemos o racismo no nosso país, na atualidade. Nos tempos da escravidão instituída, os negros queriam voltar para sua pátria. Os pretos e pardos acima, nasceram aqui. Esta é sua pátria! Essa pátria os reconhece de forma plena? Têm os mesmos privilégios/chances que os brancos? Concordo com a psicanalista Josiane Barbosa de Oliveira da SBPRP quando nos diz: o racismo é um problema atual e não só um legado histórico. Para podermos mudar o racismo temos que ver o racismo entranhado em cada um de nós.
Josiane nos apresenta alguns modos de se pensar sobre o racismo:
1- O racismo não existe no Brasil
2- O racismo existe, mas não me atinge.
3- O racismo existe, me atinge, e vai se resolver sozinho.
4- O racismo existe, me atinge, não vai se resolver sozinho, mas não me diz respeito.
5- O racismo existe, me atinge, não vai se resolver sozinho e me diz respeito.
Outro dado é que 70% da nossa população não identifica o racismo que tem. Como a psicanalista Josiane eu credito que precisamos, para além de reconhecermos o racismo que temos, precisamos ser antirracistas, romper o silêncio, fazer algo para que a mudança ocorra.
Com nossos analisandos, podemos ver a influência do racismo estrutural na vida das pessoas. Em 4/7/21 Maria traz pela primeira vez, aspectos relacionados às suas vivências de racismo e suas repercussões emocionais. Relatou: Meu papel sempre foi mais de escutar e não de falar e isso me incomoda, e eu sempre sou interrompida se tento falar… Muitas coisas eu não percebia… Traz nesse momento episódio da infância em que a mãe tentou matriculá-la numa escola e não foi aceita, por “ser neguinha”.
Depois diz que a escola quando se deu conta “quem” era a sua mãe naquela sociedade, foi falar com ela, mas a mãe não aceitou colocá-la lá… Depois na área profissional, conta que certa vez apresentava um trabalho e um colega se intrometeu e ficou paralisada, “não consegui falar nada, não me defendi…
Em 31/3/22 M-…..a maior parte das minhas lembranças de acordar, vem com um não querer levantar,… não quero acordar. Aula às 7 da manhã… Affe… Eu passei por média e perdi por falta e tive que fazer recuperação. Eu não faltava,… chegava atrasada…todas as aulas de história eram às 7 da manhã.. não gostava da escola…lá tinha coisas boas e ruins. Acho que isso me dava desconforto de não me sentir legal na escola…como se ali não fosse meu lugar..
A- Por quê?
M- Acho que eu tinha dificuldade de me relacionar com as pessoas. Sempre era solitária, tinha poucos amigos…melhorou um pouco a partir da quarta série, mas mesmo assim me sentia, assim, de fora..
A- Mas por você querer se isolar ou as pessoas não queriam estar em contato com você?
M- Acho que mais por mim mesma, eu sou difícil de me enturmar…Tem gente que chega e conversa,… eu fico afastada…eu queria me aproximar, mas a minha falta de jeito!…
A- Você se reporta ao seu jeito, e as pessoas tentavam se aproximar de você?..
M-….Que eu me lembre, não..porque..(silêncio)… Talvez tivessem preconceitos para comigo… mas isso não me passava pela cabeça… já tinha tido essa questão numa outra escola, que não quiseram me matricular porque eu sou neguinha… era escola particular, cheia de tric, tric… Segue falando que a sogra orientou ao filho a não maltratar os meninos neguinhos, e aí ele ficou matutando sobre isso…No meu caso eu só percebi isso quando adulta…nesse colégio na minha sala, de não brancos tinha eu e um colega… Eu conversava praticamente só com ele, e vice versa…Provavelmente eu vivi isso em outros colégios, minha mãe só me colocava nesses colégios porque tinham bom ensino…
A- Ela sabia que poderia ser bom, mas você teve que viver intensamente, e sem compreender direito a força desse funcionamento do racismo estrutural em que estamos ainda imersos.
M- Suspira.. Na faculdade tinha mais mistura…mas éramos poucos… Em abril 2024 Maria volta a falar da adolescência, diz que se achava um patinho feio, que os rapazes não se interessavam por ela, que várias pessoas lhe diziam que era feia,…achava que tinha alguma coisa errada com ela e atualmente acha que podia ser alguma coisa racista,…me arrumava e achava que estava bonita e… ninguém te vê?,…nem te nota?…
Contou que no intercâmbio que realizou, quando estava para voltar, lhe contaram que uma senhora do comitê ficou em dúvida se a aceitava, mas que tinha tudo dado certo, mas que nenhum rapaz a chamou para ir para a festa de formatura e que ela teve que chamar um rapaz que já tinha saído da escola,… e foi até legal!…foi interessante ela comentar isso!!
Analista- As situações de perdas e do social também influenciaram na forma como você se sentia…
(Há uma mistura das questões pessoais relativas ao desenvolvimento da personalidade e do fato de ser negra?). Como o racismo influencia na construção identitária? Seria para além do narcisismo das pequenas diferenças? Qual o peso que
tem para os indivíduos serem colocados num determinado lugar no contexto que eles vivem e ficarem aprisionados nele?

Em 7/08/24 na apresentação do trabalho da psicanalista da SBPSP e SBPSP Camp Elony Conversano, o psicanalista da SBPSPA Ignácio Alves Paim Filho trouxe um aspecto importantíssimo, que entendi assim: os analisandos nos trazem suas características individuais. (suas neuroses, por exemplo), mas trazem também aspectos do coletivo, do ancestral, no caso do racismo, que é estrutural e da ordem do social an qual todos estamos inseridos. Assim precisamos ampliar a nossa escuta para sairmos desse ponto cego em nós. Nossa formação em psicanálise é no modelo branco, para brancos. Se a descolonizarmos, (precisamos ler o que autores negros têm a nos dizer), todos sairemos ganhando. Precisamos saber o que fazemos com o racismo estruturado em nós.

Vou contar aqui um episódio que aconteceu comigo:

Eu estava caminhando numa pista de cooper há cerca de uns 4 anos. Era cedinho umas 7 h da manhã. Passei por um rapaz negro, que habitualmente não estava ali. Segui caminhando, e havia uma senhorinha que sempre estava ali usando os aparelhos de exercícios dessa pista e ela estava olhando o celular. Um pouco mais à frente, dois homens pardos, chegaram com uma Kombi. Estacionaram, desceram e me chamaram para dizer para eu ir avisar a senhorinha que ela provavelmente seria assaltada pelo primeiro rapaz. Eles não o conheciam, só acharam suspeito o jeito dele quieto sentado em um dos bancos, não estar caminhando e nem fazendo exercícios nos aparelhos.
Nessa hora, eu fiquei “encanada”, voltei, e fui falar com a senhorinha. Ela guardou o celular e eu voltei a caminhar. Quando eu estava voltando eu vi o moço “suspeito” entrando num carro. Eles falaram algo do tipo que iriam para um trabalho e eles
estavam dando carona para ele que os esperava. Nessa hora eu fiquei me sentindo muito mal, porque eu desconfiei dele. Se fosse alguém branco, será que teria ocorrido o que ocorreu?. Ele voltou outros dias. E foi para seu trabalho, com sua carona. Os outros dois homens, eu encontrei dias depois. Fui falar com eles, contei o que presenciei e inclusive da vergonha que fiquei com meu comportamento.
Quantos fatos temos: Abordagem policial à pessoas pardas ou negras por estarem com um bom carro, olhares desconfiados de comerciantes e vendedores para essas pessoas em shoppings e lojas, que se ocorre algum roubo são os primeiros a serem considerados suspeitos.
Outra paciente trouxe recentemente que numa entrevista de emprego foi elogiada, foi dito que tinha todas as características necessárias para o emprego em questão, mas escolheram uma pessoa branca. Diz: Acho que não gostaram da minha aparência e nem da minha cor. Referiu que isso já tinha acontecido outras vezes com outras entrevistas.
Ou uma paciente adolescente anos atrás que só usava o cabelo preso “por que ele era encarapinhado”. Ela tinha vergonha do seu cabelo. Chamavam de “Bombril” e isso a deixava muito triste.
O que seria isso senão manifestações de racismo estrutural.
Acredito que precisamos conversar sobre isso, entre nós psicanalistas e também conversar com a população em geral, sobre a repercussão destes aspectos na constituição da estrutura psíquica.
O que entendemos como racismo? Sabemos o que é Letramento racial?
Quem quiser conversar mais sobre isso entre em contato com o Whatsapp do GEP de Marília e Região e vamos criar uma roda de conversa sobre esse tema. Tel. (14) 996146782

Vamos!!

Rosa Maria Batista Dantas
Soteropolitana de nascimento e Mariliense de coração
Membro Associado da SBPSP
Diretora da Comunicação e Divulgação do GEP de Marília e Região
Integrante da diretoria de Cultura do GEP de Marília e Região

Algumas Referências para nos aproximarmos do tema:
Série SANKOFA: A Àfrica que te habita – 2020- Netflix. (É de uma beleza plástica surpreendente, além de apresentar uma abordagem muito profunda).
1-Salles, Larissa Oliveira. Ayabas: o poder feminino. 202034f.,Il. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Comunicação)- Universidade de Brasília, Brasília, 2020
2-Censo do IBGE de 2022
3-Narcisismo das pequenas diferenças- Freud
4- Identificação- Freud
5- Identificação – Imanência de um conceito- Ignácio Alves Paim Filho, Raquel Moreno Garcia. Org.Ed Blucher.2023
6-Racismo: Por uma psicanálise Implicada. Ignácio Alves Paim Filho Ed. Artes e Ecos
7-Um defeito de cor- Ana Maria Gonçalves
8-Negras Raízes- Alex Haley / Série Raízes
9-Meio Sol Amarelo-Chimamanda Ngozi Adichie
10-No seu pescoço- Chimamanda Ngozi Adichie Ed.Companhia das Letras.2021.TAGVOZES NEGRAS
11-A cor do inconsciente: Significações do corpo negro. Abrão Slavutzky e Isildinha Batista de Nogueira
12-Úrsula (1859-Maria Firmino dos Reis. Companhia das Letras.2021
1 13- Referências no TCC no NPMR 2021: A psicanálise frente ao racismo de Evaldo Ferreira da Silva ALMEIDA, Silvio. Racismo Estrutural. Feminismos plurais. Editora Saraiva, 2019 BARROS, D’ Assunção Jose. A Construção Social da Cor: Diferença e desigualdade na formação da sociedade brasileira. Editora Vozes, 2012 DA VILA, Martinho. Kizombas, andanças e festanças. Editora Record. Rio de Janeiro, 1998. DA SILVA, Lucia Maria – Impactos do racismo não são reconhecidos pela psicanálise
https://www.brasildefato.com.br/2017/07/31/impactos-do-racismo-nao-sao-reconhecidospela-psicanalise-afirma-psicologa
FERNANDES, Aiello Rafael – Racismo e psicanálise em produções acadêmicas
http://tede.bibliotecadigital.puccampinas.edu.br:8080/jspui/bitstream/tede/1055/2/RAFAEL%20AIELLO-FERNANDES.pdf
HOUARD, Janine – Documentário – A verdadeira história do samba
http://www.portaldosambarj.com/2013/08/especial-2-anos-documentario-verdadeira.html
MUFETE. Interprete: Emicida. Compositor: Emicida / Xuxa Levi São. Cabo Verde e Angola, 2015.
PEREIRA, Amaral Milene – Virgínia Bicudo: a invisibilidade na psicanálise, racismo e as consequências psíquicas para uma psicanalista negra https://psicanalisedemocracia.com.br/2018/10/virginia-bicudo-a-invisibilidade-na-psicanaliseracismo-e-as-consequencias-psiquicas-para-uma-psicanalista-negra-milene-amaral-pereira/
RODRIGUES, Roberto,- O que a psicanálise pode dizer do racismo?
https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/opiniao/2020/02/22/internas_opiniao,829
765/o-que-a-psicanalise-pode-dizer-do-racismo.shtml

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